Já fazia um tempinho que queria conversar com você de novo, mãe… e pela primeira vez depois de 11 dias das mães sem a sua presença física, senti que era a hora de fazer isso…
Uma das primeiras lembranças que tenho na memória é de quando a gente ouvia as músicas da Cassia Eller, Legião urbana e do Cazuza num radinho azul que ficava na nossa cozinha. Eu deveria ter uns 4 ou 5 anos de idade nessa época. Eu era pequeno demais para entender a importância dos pequenos momentos ao seu lado e muito ingênuo para saber que a ampulheta do tempo corre mais rápido do que imaginamos…
Ainda lembro daquele All star azul que você adorava! Ainda lembro que orquídea era a sua flor preferida. Ainda lembro dos pensamentos que escrevia em seu caderninho, que de vez em quando, eu xeretava por pura curiosidade…
Ainda consigo sentir o gosto daquele bolinho de chuva com chá que cê sempre fazia em dias frios e chuvosos. Ou daquele bolo de cenoura com cobertura de chocolate… ainda gosto de comer de vez em quando, mas nenhum chega perto de ser mais saboroso igual ao seu!
Ainda assisto os mesmos filmes e desenhos que você assistia junto comigo. Ainda sinto a magia de um certo “Mágico de Oz” que você me apresentou, e eu de início estranhei por ser preto e branco. Ainda consigo visualizar as fitas de “O rei leão” e “A Bela e a fera” que tínhamos aqui em casa antes de comprarmos o nosso DVD player da LG. Ainda lembro dos filmes piratas que o meu pai trazia com frequência quando trabalhava em Osasco. Ainda lembro que você me assustava de brincadeira porque tinha medo de filme de terror…
Ficava ansioso para as férias de julho porque sabia que boa parte daquele mês seria regado de muita pipoca e a nossa “sessão cinema”.
Ainda me lembro daquele fatídico e traumático dia que você teve a brilhante ideia de comprar uma maquininha de corte de cabelo porque assim “Economizaria dinheiro” pois não precisaria me levar ao cabeleireiro todo o mês. Pois é… eu fui a sua primeira e última cobaia. Nem preciso falar no quanto isso deu errado, né? No final das contas, fiquei totalmente careca (Quem mandou errar aquele maldito corte, mãe???) e o pai ficou fazendo bullying comigo me chamando de “Cabeça de ovo” até que o cabelo voltasse a crescer…
Ainda me lembro da ajuda nas redações e nos trabalhos da escola. De quanto falava que eu era inteligente e capaz de tudo! Do seu incentivo ao estimular a minha criatividade. Ainda me lembro da delicadeza e sinceridade que você e o pai tiveram ao explicar que inevitavelmente sofreria preconceito em alguns lugares, pois, a sociedade em que estamos inseridos não saberia ( e ainda não sabe) lidar com um cadeirante e com outras pessoas que possuem algum tipo de deficiência.
Lembro de você se desdobrando em 5 para me levar nas terapias todo o santo dia de manhã…
Ainda me lembro de todos os momentos complicados que a gente passou junto como família… mas você sempre foi a força implacável! Dura na queda como uma rocha. Não admitia levar desaforo pra casa… era Toma lá, Dá cá. E nem quando descobriu o câncer deixou de ser assim… Uma força implacável e imparável!!!
As pessoas sempre me perguntam: “Nossa Kauê… de onde vêm essa sua força de enfrentar as coisas que você enfrenta?” E o primeiro pensamento que me vem a cabeça é: “Se as pessoas me acham forte, é porque eles não conheceram uma mulher chamada Sônia…”
Mãe, antes de escrever esse texto eu e o pai reviramos alguns álbuns de fotos pra achar alguma fotografia que representasse essa carta, e tivemos a oportunidade de reviver vários e vários momentos marcantes para nós 3! E eu tenho a absoluta certeza que, tanto pra mim, quanto prá ele, foi um privilégio imenso poder viver ao seu lado, compartilhar da sua sabedoria e do seu sorriso lindo!
Infelizmente, a vida não permitiu que você me visse adulto e formado como você sempre quis… mas, saiba que, Tudo o que eu sou hoje é por sua causa e por causa do “iê” (Saudade de quando eu não conseguia falar “Paieee” então chamava ele de “Iê” hahaha) vocês são os melhores pais do mundo e as razões da minha vida!!!!
Espero que dê onde você estiver mãe, eu esteja te honrando e te dando um pouquinho de orgulho… acho que se estivesse aqui, cê ia amar ler as histórias e coisas malucas que escrevo… não sou uma pessoa que tem o costume de fazer muita oração, você sabe, né? Então essa é a forma que encontrei de nós dois sempre estarmos conectados um com o outro…
Te amo para sempre, minha guerreira!
Feliz dia das mães… ❤️
Kauê, que texto lindo! ♥️
Que lindo, Kauê!