Eu estou errado
Por exercer o direito de ser humano...
Às vezes penso que sou eu quem está seguindo por um caminho errado… outras vezes, penso que é um surto coletivo. Será mesmo tão absurdo acreditar que pessoas inocentes também morreram na última operação no Rio de Janeiro? Será que eu tô sendo ingênuo? Será que estou realmente defendendo bandido? Será que estou sendo injusto com a polícia, e que eles nunca chegaram atirando, ou nunca atiraram primeiro para só depois perguntar o nome das pessoas?
Será que eu sou tão canalha por ainda ter o mínimo de empatia? Será que o problema realmente sou eu — e não a porra de um sistema racista, genocida, elitista e capitalista?
Sim… vocês têm toda a razão! Eu sou um monstro por não idolatrar a Polícia Militar só porque enxergo uma corporação fascista! Eu estou errado sim, meu mano… porque, mesmo tendo empatia pelas famílias dos quatro policiais mortos, eu também tenho empatia pelas mães dos inocentes que tiveram a vida ceifada!
Eu estou errado por acreditar que a guerra contra o tráfico nunca vai ter fim por um único e simples fato: essa guerra não vai acabar porque a elite lucra com ela!
Eu estou errado! Estou errado por não acreditar nas mentiras que saem da boca do Nikolas Ferreira, do Arthur do Val e de toda a sua “galerinha do bem”.
Eu estou errado, sim, por amar o rap e toda a cultura hip-hop — uma cultura que salvou milhares de vidas através da arte. Desde aqueles que convivem com a morte à espreita até aquele garoto cadeirante que nunca morou numa favela, nunca passou fome, e mesmo assim, aquelas rimas e batidas chegaram até ele em um momento em que sua mãe acabava de perder a batalha de quatro anos para a porra de um câncer. E naquele instante, o mesmo garoto cadeirante — que nunca morou numa favela e nunca soube o que é não ter um prato de comida —, mesmo em meio aos seus privilégios, já não tinha perspectiva nem esperança de um amanhã melhor… e foi nesse exato momento que o hip-hop chegou com seu desfibrilador e conseguiu reanimar o moleque. Se não fosse o rap e o hip-hop, talvez ele não encontrasse sua vocação no mundo… talvez não soubesse canalizar toda a raiva e melancolia através de versos e poesia. Talvez, se não fosse “a música de bandido”, “a exaltação da favela e do marginal”, ele não tivesse conseguido se formar numa universidade e carregar seu diploma de jornalismo com muito orgulho — porque, bem lá no fundo, ele sabe que venceu o mundo!
Mas ei, meu mano… EU ESTOU ERRADO, NÃO É MESMO???
Estou errado quando exerço a minha fé nos orixás e saúdo cada ancestral que vive em mim. Eu estou errado por não entender que o seu louvor e devoção a Jesus Cristo são o único caminho para uma alma pecadora como a minha!
Me perdoe pela blasfêmia, pai… pois acredito que Wakanda exista e que o meu paraíso espiritual se chama… Aruanda!
Sou filho de Iemanjá e acredito que cada lágrima derramada pode nos curar… mas, pra você, descendente dos senhores de engenho, eu estou errado, não é mesmo?
Eu estou errado. Estou errado por acreditar na força do diálogo. Estou errado por tentar ouvir ideias completamente opostas às minhas. Estou errado por ainda acreditar na bondade da humanidade, mesmo quando um irmão meu comemora a morte de inocentes porque acredita que os fins justificam os meios…
Eu estou errado quando tento fazer com que meu pai busque a informação correta, para que ele não continue reproduzindo discursos polêmicos e contraditórios que assiste pela tela do TikTok.
Mas você sempre tem razão, meu mano… eu estou errado por acreditar em tudo o que te disse agora.
O certo sempre foi você! Você, que se deixou levar pelo discurso de ódio de pessoas que, na primeira oportunidade, sem dúvidas, desejariam a sua morte.
Mas você mesmo disse que a polícia não atiraria em você “porque você não anda com vagabundo”. Mas, espera aí, só um segundo: a menina Ágatha, de 9 anos, também não andava com vagabundo. João Pedro também não andava com vagabundo… eles estão aqui agora, sorrindo e levando suas vidas normalmente?
Mas eu estou errado! Sempre estive errado por manter o meu discurso de antes: Todos nós somos um peão nesse tabuleiro de xadrez, onde quem dá o xeque-mate é o rei que veste terno e gravata no Senado.
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A favela ainda vive... Em meio a sangue, guerras e lágrimas eternas
A favela ainda vive… em meio a sangue, guerras e lágrimas eternas




